COMPULSÃO POR JOGOS ONLINE
- Cleber Luis dos Santos
- 22 de jan.
- 3 min de leitura
Durante minha carreira em atendimento clínico, tive a oportunidade de ajudar diversas pessoas que compartilhavam uma queixa comum: o desejo de parar com os jogos de apostas. Ao ouvi-los, percebi que suas histórias tinham um padrão: o início geralmente se dava por curiosidade ou diversão. No entanto, ao perceberem a quantia de dinheiro perdida, sentiam a necessidade de voltar a jogar na tentativa de recuperar o que haviam perdido, criando assim um circulo vicioso. Com o tempo, esses jogadores enfrentavam sensações de impotência, perdas significativas na vida social e financeira, o que gerava frustração e sentimentos como raiva, podendo até levar à depressão.
No Brasil, existem jogos permitidos por lei, conhecidos como apostas de quota fixa, e aqueles que não são autorizados, chamados de jogos de azar. De acordo com o Decreto de Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941, jogos de azar são aqueles em que o apostador depende da sorte para ganhar um prêmio, ou seja, o resultado é influenciado pelo acaso. O próprio decreto prevê penalidades para quem estabelece, explora ou participa dessas apostas. Exemplos de jogos de azar incluem cassinos, caça-níqueis e até mesmo rifas.
As apostas de quota fixa, por sua vez, “consistem em um sistema de apostas relacionadas a eventos reais ou virtuais, onde é definido, no momento da aposta, quanto o apostador pode ganhar em caso de acerto do prognóstico” (Lei nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018). Essas apostas são regulamentadas por uma série de normas que orientam sua autorização.
Mas, se alguns jogos de apostas são permitidos por lei, por que eles podem ser tão perigosos? Pesquisas indicam que áreas importantes do cérebro, associadas à tomada de decisões, memória e regulação das emoções, são ativadas quando expostas a esses jogos. Além disso, a dopamina, um neurotransmissor relacionado ao prazer e à motivação, é liberada em grandes quantidades quando uma pessoa ganha uma aposta, proporcionando uma intensa sensação de euforia e satisfação, o que reforça a compulsão por jogar e diminui a inibição em relação a decisões arriscadas. A dopamina também é liberada quando o individuo perde, levando-o a uma busca incessante pela recuperação, gerando, dessa forma, uma expectativa de que, na próxima partida, reverterá a perda.
Mudanças psicológicas e emocionais impactam profundamente o comportamento de indivíduos que apresentam compulsão por jogos. Comportamentos compulsivos, mentiras e ocultação, negligência de responsabilidades, comportamentos de risco, além de problemas familiares, isolamento social e impactos nas relações amorosas, são desafios comuns enfrentados por essas pessoas.
Desde a 3ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), o hábito de apostas frequentes e repetidas ganhou um capítulo específico. Na 5ª edição, o DSM classifica esses comportamentos como Transtorno do Jogo. Para que o diagnóstico seja confirmado, é necessário preencher cinco ou mais dos seguintes critérios, que indicam um comportamento de jogo problemático persistente e recorrente, levando a prejuízos ou sofrimento clinicamente significativo:
Necessidade de jogar com quantias crescentes de dinheiro para obter a excitação desejada.
Agitação ou irritação ao tentar diminuir ou parar de jogar.
Esforços repetidos e infrutíferos para controlar, diminuir ou parar de jogar.
Preocupação frequente com o jogo (pensamentos persistentes sobre experiências passadas ou planejamento da próxima aposta).
Sentimentos de angústia ao jogar (impotência, culpa, ansiedade, depressão).
Retorno frequente ao jogo após perdas financeiras na tentativa de recuperar o que foi perdido.
Mentiras para esconder a extensão do envolvimento com jogos de azar.
Risco ou perda de relacionamentos significativos, emprego ou oportunidades educacionais devido ao jogo.
Dependência de outros para obter dinheiro e resolver a situação financeira desesperadora causada pelo jogo.
Fatores genéticos e ambientais, assim como a exposição a jogos antes do desenvolvimento das funções inibitórias do cérebro, desempenham um papel crucial na predisposição ao vício. Estima-se que entre 0,4% e 6% da população mundial sofra do transtorno do jogo. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2016, a perda global em apostas foi estimada em impressionantes US$ 400 bilhões.
Embora os jogos possuam regulamentação para sua legalidade, é fundamental reconhecer os riscos associados às apostas, seja por diversão ou na tentativa de ganhar dinheiro. Apesar da existência de critérios para as apostas, fatores biológicos podem levar o apostador a desenvolver um vício, resultando em perdas significativas na vida social e econômica.
O acompanhamento psicológico e o apoio familiar são essenciais para aqueles que desejam parar ou, ao menos, controlar seus gastos com apostas.
Se você está enfrentando dificuldades relacionadas a jogos, saiba que não está sozinho. Conversar com familiares e buscar ajuda pode ser um passo importante para mitigar as perdas e encontrar um caminho mais saudável.
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